Em uma ocorrência inusitada de tráfico de drogas, uma médica
da rede municipal de saúde, um perito do Instituto Médico Legal e uma equipe do
Hospital de Hospital de Base de Rio Preto se recusaram a atender uma jovem de
18 anos.
Daiane (nome fictício para preservar a intimidade) foi
detida no final da tarde de ontem por Guardas Municipais, suspeita de estar
vendendo drogas no calçadão da cidade. Durante abordagem, foi constatado que
ela escondia 18 pedras de crack na boca.
Uma agente feminina foi designada para revistar Daiane e
constatou que havia um objeto estranho na vagina na jovem. A equipe suspeitou
que fosse mais droga.
Segundo o boletim de ocorrência, a moça foi levada para a
UPA Tangará, onde uma médica “se recusou a realizar o
procedimento de retirada alegando que não tinha autorização para tanto”.
Apresentada na Central de Flagrantes, o delegado Roberval
Costa Macedo telefonou no Instituto Médico Legal e o legista de plantão também se negou a retirar o material suspeito.
Macedo determinou então que Daiane fosse levada para o Hospital
de Base, onde o médico responsável, após consultar o departamento jurídico, disse
que o procedimento deveria ser feito por um perito, entretanto ofereceu as
dependências do HB, caso a Polícia Civil precisasse.
O boletim de ocorrência informa ainda que Daiane exerceu seu
direito constitucional de ficar calada, se recusou a retirar qualquer objeto
estranho da vagina, bem como a passar por qualquer procedimento de
retirada.
Para o delegado e professor de Direito Penal, Jairo Garcia Pereira,
os médicos acertaram em não realizar o procedimento.
“Se não havia o consentimento da paciente, nem requisição
expedida pelo delegado ou ordem judicial, penso que os médicos foram prudentes.
A legislação não tem uma lei que discipline sobre essa questão e, ainda que
houvesse, ia esbarrar nos direitos à integridade
física e à intimidade, que estão previstos na Constituição e são tão importantes
quanto às questões de segurança pública. Se o médico, contra a vontade da
jovem, realiza exames que eu acredito ser invasivos, além de incorrer em
discussões sobre a ética médica, poderia produzir provas que, para a Justiça, podem
ser consideradas ilícitas”, explicou.
Jairo esclareceu, no entanto, que o caso é específico e
incomum. É diferente do paciente que ingere entorpecentes e precisa ser
submetido a procedimentos ou cirurgia porque corre risco de morte. Nesse caso, a
pessoa não tem opção.
Macedo prendeu a jovem porque entendeu que as 18 pedras de
crack encontradas na boca excedia a quantidade razoável para a alegação de
consumo pessoal. Além do mais, Daiane já registra ato infracional por tráfico
de drogas quando tinha 17 anos.
Finalizada a ocorrência, o mistério sobre o que a moça trazia na vagina
não foi desvendado.
Ela passou por audiência de custódia nesta sexta-feira, 23, e o
juiz Cristiano Mikhail decidiu pela manutenção da prisão. Daiane tem um bebê de
apenas dois meses de vida, que está sob os cuidados da avó materna na cidade de
Irapuã, região de Catanduva.
A Secretaria Municipal de Saúde está analisando se a médica
da UPA Tangará seguiu o protocolo de atendimento. Já o Hospital de Base informou
que a paciente foi avaliada e a equipe médica descartou o risco de morte e a necessidade de
intervenção cirúrgica.
Sobre a recusa de atendimento pelo médico legista do
Instituto Médico Legal, a Secretaria de Segurança Pública ainda não se
manifestou.