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Quarta-Feira, 30 de Novembro de 2016 às 10:49

O trovão Deva

Muito mais que enorme, muito mais que agitado, para lá de perfeccionista, um sonhador como poucas vezes já se viu e amigo como se raramente tem

Duração: 05:09

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Hoje, dia 30 de novembro de 2016, é quarta-feira de cinzas. Quarta-feira de cinzas fora de época, dolorida, injusta. Dia seguinte após a tragédia do avião que levava o time da Chapecoense, em campanha histórica, à final da Copa sul-americana. Foram 71 vítimas, mais que isso, 71 pais de família, filhos, irmãos e amigos que foram levados de maneira tão incompreensível pra nós que ficamos.

Entre eles, Deva Pascovicci, um dos sócios e diretores aqui da CBN em Rio Preto. Como definir Devair Paschoalon, nosso Deva Pascovicci? Essa é uma daquelas tarefas impossíveis, um trabalho de Sísifo, empurrando a pedra até o cume da montanha. Poderia dizer que ele é grande. Mas é muito mais que isso. Não só por sua presença daquela que preenche todos os espaços, com seu jeitão italiano e seu vozerio de trovão – um verdadeiro Luciano Pavarotti, como apelidaram seus amigos da CBN. Ídolo de várias gerações tanto dentro e fora da cabine de narração. Não são poucos os meninos que tentavam imitar sua locução na hora de dar um chute no gol ou mesmo brincando de futebol de botão. Deva era agitado? Isso é pouco para definir o homem. Sua cabeça fervilhava de planos e projetos o tempo todo. Trabalhou no último ano na ponte Rio Preto – Rio de Janeiro, de segunda a segunda, e adorava viajar porque era assim que bolava novos projetos para rádio e também para sua vida profissional. Não descansava nunca e não deixava ninguém descansar. Quando vinha com mais uma de suas ideias mirabolantes, e as pessoas diziam que era impossível fazer aquilo, ele soltava: vocês não conseguem tomar conta de duas tartarugas. Mas ele corria atrás de cinco ou seis lebres ao mesmo tempo. Poderia dizer que Deva é batalhador. Mas ele é muito mais que isso. Venceu o câncer duas vezes, ficou em coma e nunca desistiu da vida. Contrariando as orientações médicas e a dispensa do trabalho, ia pra redação logo após sessões de quimioterapia. Foi assim que narrou o centésimo gol da carreira de Rogério Ceni – narração que foi escolhida pelo próprio ídolo são-paulino como a melhor entre todas. E quem poderia contrariar esse homem determinado? Dizer que Deva é perfeccionista é pouco. Nunca esteve acomodado na sua profissão, sempre procurando se inovar. Extremamente autocrítico, ele fuçava nas redes sociais em busca de tuítes que apontavam falhas no seu trabalho. Não interessa se, após uma narração, eram mais de dois mil elogios e apenas duas críticas: para ele, o que o fazia crescer eram justamente essas críticas. Poderia, talvez, chamar Deva de sonhador. Mas é muito pouco para ele. Resolveu montar uma rádio apenas de notícias em Rio Preto, apesar de a tradição de rádios noticiosas ter minguado na cidade na década de 90. Contra todos os prognósticos, seguiu em frente, montou uma equipe técnica e de jornalistas e mandou ver. As dificuldades foram e ainda são grandes, mas Deva insistiu para realizar seu sonho. Já são mais de dois anos nessa loucura boa. Até porque a grande paixão da vida dele, depois da família, é o rádio. E isso me leva a pensar o tamanho que era o coração desse moço Deva. Um paizão estilo manteiga derretida, que se emociona tão facilmente quanto faz emocionar com suas transmissões.  Abraçou o time da Chapecoense como se fosse um filho seu; com entusiasmo de garoto, acompanhava a trajetória desse time pequeno que chegava ao ápice da sua história. Deva é um amigo muito mais que um chefe, sensível e preocupado, pronto para dar palavras de conforto e de uma empatia ímpar. Pessoa íntegra e honesta, que amava o trabalho sim, mas amava ainda mais a família e as pessoas que o rodeavam. Daquele amor sincero e fraternal. Esse é o Deva. Muito mais que enorme, muito mais que agitado, para lá de perfeccionista, um sonhador como poucas vezes já se viu e amigo como se raramente tem. Ele continua aqui, com todos nós, em cada ensinamento e palavra amiga. Mas resolveu agora dar trabalho para São Pedro. E a partir de agora não estranhem se ouvirem os trovões ecoando mais forte lá no céu: é só o Deva gritando gol mais uma vez.


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