Hoje,
dia 30 de novembro de 2016, é quarta-feira de cinzas. Quarta-feira de cinzas
fora de época, dolorida, injusta. Dia seguinte após a tragédia do avião que
levava o time da Chapecoense, em campanha histórica, à final da Copa
sul-americana. Foram 71 vítimas, mais que isso, 71 pais de família, filhos,
irmãos e amigos que foram levados de maneira tão incompreensível pra nós que
ficamos.
Entre
eles, Deva Pascovicci, um dos sócios e diretores aqui da CBN em Rio Preto. Como
definir Devair Paschoalon, nosso Deva Pascovicci? Essa é uma daquelas tarefas
impossíveis, um trabalho de Sísifo, empurrando a pedra até o cume da montanha.
Poderia dizer que ele é grande. Mas é muito mais que isso. Não só por sua
presença daquela que preenche todos os espaços, com seu jeitão italiano e seu
vozerio de trovão – um verdadeiro Luciano Pavarotti, como apelidaram seus
amigos da CBN. Ídolo de várias gerações tanto dentro e fora da cabine de
narração. Não são poucos os meninos que tentavam imitar sua locução na hora de
dar um chute no gol ou mesmo brincando de futebol de botão. Deva era agitado?
Isso é pouco para definir o homem. Sua cabeça fervilhava de planos e projetos o
tempo todo. Trabalhou no último ano na ponte Rio Preto – Rio de Janeiro, de
segunda a segunda, e adorava viajar porque era assim que bolava novos projetos
para rádio e também para sua vida profissional. Não descansava nunca e não
deixava ninguém descansar. Quando vinha com mais uma de suas ideias
mirabolantes, e as pessoas diziam que era impossível fazer aquilo, ele soltava:
vocês não conseguem tomar conta de duas tartarugas. Mas ele corria atrás de
cinco ou seis lebres ao mesmo tempo. Poderia dizer que Deva é batalhador. Mas
ele é muito mais que isso. Venceu o câncer duas vezes, ficou em coma e nunca
desistiu da vida. Contrariando as orientações médicas e a dispensa do trabalho,
ia pra redação logo após sessões de quimioterapia. Foi assim que narrou o
centésimo gol da carreira de Rogério Ceni – narração que foi escolhida pelo
próprio ídolo são-paulino como a melhor entre todas. E quem poderia contrariar
esse homem determinado? Dizer que Deva é perfeccionista é pouco. Nunca esteve
acomodado na sua profissão, sempre procurando se inovar. Extremamente
autocrítico, ele fuçava nas redes sociais em busca de tuítes que apontavam
falhas no seu trabalho. Não interessa se, após uma narração, eram mais de dois
mil elogios e apenas duas críticas: para
ele, o que o fazia crescer eram justamente essas críticas. Poderia, talvez,
chamar Deva de sonhador. Mas é muito pouco para ele. Resolveu montar uma rádio
apenas de notícias em Rio Preto, apesar de a tradição de rádios noticiosas ter
minguado na cidade na década de 90. Contra todos os prognósticos, seguiu em
frente, montou uma equipe técnica e de jornalistas e mandou ver. As
dificuldades foram e ainda são grandes, mas Deva insistiu para realizar seu
sonho. Já são mais de dois anos nessa loucura boa. Até porque a grande paixão
da vida dele, depois da família, é o rádio. E isso me leva a pensar o tamanho
que era o coração desse moço Deva. Um paizão estilo manteiga derretida, que se
emociona tão facilmente quanto faz emocionar com suas transmissões.
Abraçou o time da Chapecoense como se fosse um filho seu; com entusiasmo de
garoto, acompanhava a trajetória desse time pequeno que chegava ao ápice da sua
história. Deva é um amigo muito mais que um chefe,
sensível e preocupado, pronto para dar palavras de conforto e de uma empatia
ímpar. Pessoa íntegra e honesta, que amava o trabalho sim, mas amava ainda mais
a família e as pessoas que o rodeavam. Daquele amor sincero e fraternal. Esse é
o Deva. Muito mais que enorme, muito mais que agitado, para lá de
perfeccionista, um sonhador como poucas vezes já se viu e amigo como se
raramente tem. Ele continua aqui, com todos nós, em cada ensinamento e palavra
amiga. Mas resolveu agora dar trabalho para São Pedro. E a partir de agora não
estranhem se ouvirem os trovões ecoando mais forte lá no céu: é só o Deva
gritando gol mais uma vez.