Uma situação inusitada obrigou a juíza da 5ª Vara Criminal,
Gláucia Véspoli Oliveira, a cancelar o Júri Popular que acontecia nesta
quinta-feira, 20, no Fórum Central de Rio Preto . Uma advogada que assistia ao
julgamento utilizou o celular para fotografar, com flash, o plenário. Atitude
que é expressamente proibida em cartaz na porta da sala e reforçada pelos assistentes
judiciários junto ao público presente. A exceção fica apenas para os veículos
de imprensa devidamente identificados, com a recomendação de que não
filmem/fotografem os jurados.
A ação foi percebida pelo promotor de Justiça, Marco Antônio
Lélis Moreira, que pediu pausa no andamento do Júri para que um funcionário do
Fórum vistoriasse o celular da advogada. No aparelho havia duas fotografias, do
promotor e dos advogados, e a mulher foi orientada a apagar as imagens.
O Júri Popular definiria a sentença de dois homens acusados
de homicídio triplamente qualificado e suspeitos de envolvimento com a facção
Primeiro Comando da Capital. Um deles, Leandro Baria, estaria jurado de morte e
por esse motivo é mantido isolado na penitenciária de Andradina que, segundo
pessoas ouvidas pela reportagem, é considerada unidade prisional “neutra”, ou
seja, sem o domínio da organização criminosa.
Quando a advogada fotografou o plenário, uma testemunha e os
dois réus já tinham sido ouvidos, faltava apenas a segunda parte do julgamento,
que é o embate entre Ministério Público, responsável pela acusação, e a defesa,
constituída por 10 advogados.
A juíza Gláucia Véspoli
determinou o intervalo para o almoço e, no retorno, cinco dos sete jurados que
compõem o Conselho de Sentença manifestaram constrangimento e temor em relação à
foto tirada pela advogada, afirmando que também foram fotografados por ela.
Neste momento a advogada já não estava mais em plenário e não foi possível
verificar se havia outras fotos, especialmente dos jurados, no aparelho celular.
Com o conselho temeroso pelas consequências em decidir se os réus são culpados
ou inocentes, justamente pela suspeita de envolvimento deles com o PCC, a
magistrada encerrou o julgamento, que foi remarcado para o dia 16 de abril.
No termo de audiência,
já disponível no site do Tribunal de Justiça, a juíza Gláucia classifica como
irresponsável a atitude da advogada, “ciente da proibição de uso de telefone
celular ou de registro fotográfico de sessões do Júri, tanto por profissão
quanto pelo aviso expresso ostentado à porta do plenário, com prejuízo do
trabalho de todos, tempo dos senhores Jurados, e dos colegas de profissão,
inclusive alguns vindos da capital com todo o custo financeiro que acarreta”.
Procurado por telefone, o promotor Marco Antônio Lélis lamentou
o episódio que, na opinião dele, provocou prejuízos para o julgamento, já que
um dos réus assumiu o crime durante o depoimento e descreveu com detalhes a participação
dele e do comparsa, situação que pode não se repetir na próxima sessão.
“Há muita estrutura empenhada para que um Júri Popular
aconteça. Transporte dos presos, disponibilidade dos jurados- porque são todos
trabalhadores- estudo das teses de acusação e defesa, advogados que vieram de
São Paulo. Foi realmente uma infelicidade da advogada”, comentou.
A juíza também solicitou que a Ordem dos Advogados do
Brasil, subseção de Rio Preto, seja oficiada sobre o fato e tome providências
cabíveis com relação à advogada.
Em nota, o advogado Rogério
Bereta, coordenador da Comissão de Ética da OAB, afirmou que “o processo
disciplinar tem como regra ser sigiloso. Portanto, mesmo quando os fatos são de
conhecimento público, na hipótese da advogada vir responder a processo
disciplinar, sequer pode ocorrer qualquer divulgação de informação dessa eventual instauração
de procedimento”.
A advogada que fotografou o julgamento ainda não foi
localizada para comentar o assunto.
O crime
Segundo informações do processo, na madrugada do dia 17 de
setembro de 2014, Leandro Aparecido Baria, conhecido como Monicão, Vitor
Gabriel Liberato, o “Vitinho” e mais um adolescente, asfixiaram Samuel Carlos
Rodrigues, vulgo “Samuca”, causando a sua morte. Conforme se apurou, os
denunciados, o adolescente e a vítima estavam envolvidos com o tráfico de
drogas no município de Uchoa. A vítima possuía uma dívida de drogas de R$100,00
com Leandro, o qual resolveu matá-la e, para tanto, solicitou o auxílio de Vitor
e do adolescente. Com o intuito de ludibriar a vítima, o adolescente e Vitor
convidaram Samuel para fumar um “baseado” e “fazer uma fita” juntamente com
Leandro. Os três buscaram a vítima em veículo Escort, de propriedade do Vitor.
Leandro e o adolescente sentaram no banco de trás, instante em que a vítima
Samuel sentou-se no banco da frente, ao lado do motorista. Na sequência,
induzida pelos agentes, a vítima consumiu droga e quando ainda estava sob seus
efeitos, o adolescente pegou uma corda, fez um laço, passou pelo pescoço de
Samuel e começou a puxar, momento em que ele passou a implorar pela vida. A
vítima ainda estava viva quando Leandro a tirou do carro, amarrou a corda que
estava no pescoço da vítima na parte traseira do veículo e passaram a arrastar Samuel
pela estrada de terra que liga Uchôa à Cedral. Após algum tempo arrastando a
vítima, os três saíram do carro e, fazendo uso de um alicate, arrancaram os
dentes da frente de Samuel. Em seguida, abandonaram o corpo na beira da estrada
e fugiram.
Pelo crime, Leandro e Vitor foram denunciados por homicídio
triplamente qualificado: por motivo torpe, tortura e recurso que impediu a
defesa da vítima.
Em OFF
Um advogado que não quis ser identificado disse que, após o crime, Vitor
foi julgado por um “tribunal do crime” e absolvido, porque alegou ter sido
chamado apenas para agredir Samuel e não foi responsável pela morte da vítima.
Já Leandro teria sido jurado de morte pela facção porque ignorou
a autoridade dos líderes e executou Samuel sem pedir autorização.