Por Joseane Teixeira
O inquérito instaurado pelo delegado da Deic, Paulo Buchala
Júnior, concluiu que Adeílton Souza da Silva, de 21 anos, e Richard Miranda
Claudino da Silva, de 26, mortos pela PM em outubro de 2019, foram executados. O documento determina o indiciamento de quatro policiais militares do 9º Baep por homicídio
qualificado: o soldado Giovani Fantin Padovan, os cabos Célio Cordeiro dos
Santos Júnior e Daril José Afonso Rita e o sargento Thiago Trídico.
A informação foi confirmada nesta quarta-feira, 10, pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo*.
Em entrevista exclusiva para a repórter Joseane Teixeira, o ouvidor Eliezer Soares Lopes, que também é advogado criminalista, afirmou ter acessado o relatório final do inquérito, bem como laudos necroscópicos e as imagens das câmeras que dão embasamento à conclusão do delegado Buchala pelo indiciamento dos pms.
O ouvidor avaliou como “minuciosa” a investigação realizada pela Polícia Civil e corroborou com o delegado no sentido de que está completamente afastada a hipótese da excludente de ilicitude (legítima defesa) alegada pelos quatro policiais militares investigados.
“Duas pessoas tiveram suas vidas ceifadas sem uma justa causa. O que se pode denotar das câmeras é que não houve justificativa para que eles (os pms) desferissem tiros contra os indivíduos, uma vez que eles não colocavam em risco a vida dos policiais. Trata-se, portanto, de uma execução, o que é incabível e inconcebível. Inclusive isso depõe contra a própria instituição (Polícia Militar)”, disse.
Foi determinado segredo de justiça para a investigação, motivo pelo qual o ouvidor informou não estar autorizado a disponibilizar as imagens do crime ou qualquer outro elemento probatório do inquérito.
Vinte dias após o suposto confronto que resultou na morte dos quatro amigos do bairro Vila Toninho, a Rádio CBN informou em primeira mão sobre a existência das câmeras instaladas em uma chácara do bairro Jockey Clube, que teriam filmado a morte de Richard e Adeílton, conhecido como Zulu.
Laudos do Instituto Médico Legal apontam que Richard foi alvejado com sete tiros e Adeílton, com cinco. Todos os disparos perfuraram as vítimas da cintura para cima.
O inquérito, que foi relatado em dezembro, reconheceu a prática delitiva por parte dos quatro policiais como incursos no artigo 121 (homicídio), parágrafo 2º, inciso IV (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido).
Na ocasião, o delegado Paulo Buchala Júnior afirmou que não estava autorizado a falar sobre o assunto.
O dossiê investigativo está agora nas mãos do promotor de justiça e corregedor das polícias, José Márcio Rossetto Leite.
Por telefone, ele disse nesta quinta-feira, 11, que aguarda o recebimento do Inquérito Policial Militar (IPM) para analisar as duas investigações conjuntamente.
O promotor estima que em março tenha uma decisão sobre caso.
O cabo Daril José Afonso Rita já responde a processo por homicídio ocorrido em 2018, durante o trabalho na cidade de Mirassol.
“Em hipótese alguma a sociedade pode corroborar com o justiçamento. O policial, no exercício das suas funções, tem que zelar pela legalidade, para que a Justiça julgue a conduta dos suspeitos. Justiçamento é execução. Não é isso o que a sociedade quer”, finalizou o ouvidor.
Em nota, a Polícia Militar informou que os policiais envolvidos na ocorrência estão afastados da atividade operacional e que o Inquérito Policial Militar foi encaminhado a Justiça Militar Estadual.
*Segundo o site da Secretaria de Segurança Pública, “a Ouvidoria de Polícia não tem qualquer ligação orgânica com a Polícia Civil e a Polícia Militar. Sua estrutura é amplamente democrática. Segundo a lei, o Ouvidor será sempre indicado pela sociedade civil. Quem escolhe o nome é o governador, a partir de uma lista tríplice elaborada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão no qual a sociedade civil tem 80% dos membros.
Lembre o caso:
Segundo informações do boletim de ocorrência, naquela madrugada de domingo para segunda-feira, Ulisses Rogério dos Anjos, Lindomar Viana, Richard e Adeílton teriam rendido um caseiro, a esposa dele e uma criança de 5 anos, filha do casal, que moravam em uma chácara do bairro Jardim Veneza. Como o chefe da família teria conseguido fugir da abordagem, o grupo deixou o local em um Corsa sedan, levando apenas um botijão de gás.
A Polícia Militar foi acionada e uma primeira equipe do Baep interceptou o veículo na avenida Antônio Cabrera Mano. Segundo o relato dos policiais, os quatro ocupantes do carro estavam armados.
Ulisses, que dirigia o Corsa, e Lindomar, passageiro da frente, trocaram tiros com os pms enquanto Richard e Adeílton fugiram a pé. Os dois primeiros foram mortos no local da abordagem. Eles estariam armados, cada qual, com um revólver calibre 38.
Com relação à morte de Ulisses e Lindomar, não há provas de ilegalidades.
Do outro lado da rodovia Washington Luís, já na estância Jockey Clube, Richard e Adeílton foram alcançados por outra equipe do Baep, composta pelo soldado, os dois cabos e o sargento. Supostamente armados com outro revólver calibre 38 e uma pistola “ponto 40”, os amigos teriam resistido à prisão e disparado tiros contra os agentes, que revidaram.
Familiares deram outra versão para a visita dos quatro à chácara do caseiro. Não estavam roubando, mas cobrando uma dívida de Ulisses. Na impossibilidade de receber o dinheiro, levaram o botijão de gás como penhora.
Segundo familiares, isso justifica o fato de os quatro não terem atentado contra a família do caseiro quando ele disse que fugiu de carro e deixou esposa e a filha reféns com os bandidos, supostamente, sob a mira de quatro armas.
Ulisses registra histórico de envolvimento em roubo e posse de arma. Lindomar, por embriaguez ao volante e dano.
Richard foi processado criminalmente por tráfico de drogas e latrocínio.
Adeílton cumpriu medida socioeducativa na Fundação Casa, quando era adolescente, por tráfico de drogas.